Literatura

Hikikomori de restaurante

por Leonardo Coelho

capa

“Você não conhece praticamente nada sobre ele”

A frase inicial da contracapa desse mangá é perfeita em sua síntese. Mesmo após dezoito capítulos, percebe-se que é quase nada o que se sabe sobre o personagem principal, cujo nome sequer é citado.
Apesar de trabalhar com exportações e ter um cotidiano corrido, ele não é de maneira alguma um típico homem de negócios japonês, perdido em suas ambições desmedidas em um “país onde você passa os dias como escravo de alguma coisa.” (QUSUMI e  TANIGUCHI, 2009, p. 52). Por entre as turbulentas e organizadas avenidas nipônicas, alagadas de tecnologia, é visível sua disparidade com os outros. Seu equilíbrio é medido em pratos, e sua felicidade, em comer. Ele é, antes de tudo, um gourmet.
Publicada pela Conrad, desenhada por Jiro Taniguchi e com roteiros de Masayuqi Qusumi, a história é, a primeira vista, um magnífico compêndio sobre a diversidade da culinária japonesa, composta por muito mais que sushis e sashimis. Mais além, é uma pequena ode à serenidade, à reflexão forçada por certos momentos de silêncio que às vezes aparecem no nosso dia-a-dia, quando estamos completamente absortos em nós mesmos, desconectados de um mundo cada vez mais conectado, ativo e dinâmico.
Apesar de ser tal qual o “homem da multidão”, de Poe, em seu anonimato, o gourmet não aprecia o caos urbano no qual se insere. Não é de maneira alguma seduzido por isso. Não compreende, também, o porquê de se querer tanto coisas e mais coisas, e igualmente não entende as pessoas que as desejam. Ao se ver em frente a uma loja que vende apenas medidores, sua pergunta singela é: “Existe tanta coisa no mundo para ser medida?” (2009, p.173).
Desenhado de forma simples e narrado em pequenos contos que descrevem suas aventuras gastronômicas, Gourmet se diferencia dos mangás tradicionais devido ao seu realismo. Este é um trabalho maduro no que se refere a sua sinceridade; Sem qualquer traço de violência, morte ou sexo, embasa-se em algo dificil de se narrar, e no que poucos se interessam, que é a análise do ser humano.

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