Entrevistado:

Roberto Maxwell

foto de Ewerthon TobacePerfil: Brasileiro. Fluminense. Carioca descendente de pernambucana. CIDADãO DO MUNDO.

Formado professor pelo Colégio Fernando Figueiredo e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; tecnólogo em cinema pela Universidade Estácio de Sá; mestrando em Sociologia pela Shizuoka Daigaku. Cine-videasta e escritor, atualmente articulista e jornalista free lancer.

Realizou cerca de 10 filmes de curta e média metragens, além de projetos em audiovisual para a internet. Produz o podcast de música independente Molotov Musical, em fase de preparação de sua segunda temporada. Escreveu o e-book Public Policies For Brazilian Immigrants In Yaizu City, Shizuoka Prefecture, Japan resultado de 1 ano de pesquisas na cidade de Yaizu, centro do Japão.

(retirado de www.robertomaxwell.com em 23 de julho de 2008)

Como foi a sua história com o Japão já que você é não é descendente? Enfim, por que o Japão?

A minha vinda pro Japão foi através de uma bolsa de estudos do Ministério da Educação japonês. Eu estava num momento em que precisava sair do Brasil, precisava conhecer novos horizontes, vivenciar experiências que eu não pude vivenciar quando eu era estudante de graduação. Então, uma amiga e colega de trabalho tinha vindo pro Japão um ano antes, com a mesma bolsa que eu vim, que é uma bolsa para professores de Ensino Fundamental e Médio. Ela não estava tendo uma boa experiência. Mas, mesmo assim, eu decidi tentar. Fui selecionado, talvez por ser um dos mais "afins" de vir para cá. Queria muito vir, me preparei, sobretudo para a entrevista. A minha escolha pelo Japão foi, em primeiro lugar, por causa da excelente bolsa e programa de estudos. Tudo muito organizado e a possibilidade aprender japonês, uma língua que eu achava impossível de falar, antes de conhecer.

Quais foram as suas dificuldades na escolha do seu objeto de estudo já que o tema dekassegui é lugar comum para quem vai fazer pesquisa no Japão?

Inicialmente, eu não vim como pesquisador. O meu programa era para que eu conhecesse o sistema educacional japonês. Porém, meu orientador definiu que eu deveria ter uma pesquisa na minha área que é geografia. Então, foi uma escolha quase natural. O que eu não sabia, porém, era que a pesquisa em migração internacional era uma das áreas de ponta nas ciências sociais. Além disso, eu não contava que as questões da segunda geração de migrantes, nessa nova onda de migração internacional, estivessem chamando tanta atenção dos pesquisadores. E, claro, que eram tão interessantes. Então, depois de um ano fazendo uma espécie de etnografia da vida dos brasileiros na cidade de Yaizu, eu tentei a prova para o mestrado com o projeto sobre as crianças brasileiras no Japão e fui aprovado. Minha bolsa anterior acabou e eu não tive como voltar ao Brasil, já que a passagem de retorno ao Japão, para o mestrado, seria muito cara. Então, fiquei. Não houve dificuldades na pesquisa, pelo contrário, só facilidades pelo fato de eu ser brasileiro e, de algum modo, atuar como um elo entre o meu orientador - que também estuda o movimento dekassegui - e o mundo brasileiro no Japão.

Houve algum aspecto que te surpreendeu na sua pesquisa? Algo que você não esperava que aparecesse na pesquisa e deu novos contornos no seu trabalho? Se houve, o que foi?

De algum modo, quando eu comecei a empreender a pesquisa de campo do trabalho em Yaizu, eu já estava bastante calcado nas bibliografias e pesquisas anteriores. Assim, quando eu cheguei a campo, eu não tive grandes surpresas. Por outro lado, agora que estou indo à campo para estudar as crianças brasileiras nas escolas, eu estou me surpreendendo com algumas coisas. Antes, eu tinha a idéia que a criança educada na escola japonesa era triste e cerceada em sua liberdade e relação com o mundo. Porém, o que eu tenho visto são crianças que têm um jogo de cintura enorme. Elas falam japonês e português, caminham entre esses "extremos" culturais com facilidade. Desde o início da minha pesquisa, eu venho pensando a questão da identidade dessas crianças como algo que importa muito mais à sociedade ao redor delas do que algo que incomoda a elas mesmas. O que eu vejo nessas crianças na escola japonesa é diferente do que está nas pesquisas. E isso, creio eu, é fruto de uma mudança. A escola japonesa vê as crianças estrangeiras de um modo diferente. Isso é uma vitória daqueles que perserveraram e mantiveram seus filhos na escola pública no Japão, mesmo quando haviam ameaças de maus tratos e incompreensão por parte da escola. Ainda há o que mudar, mas creio que em cidades onde a presença de imigrantes é maciça essas mudanças já estão em processo.

Como aconteceu a sua entrada na vida do jornalismo cultural e nos documentários?

Isso ocorreu em momentos diferentes. Eu me formei em cinema na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, anos depois de fazer a graduação em geografia na UERJ. No curso, eu tive uma professora de documentário fantástica. O nome dela é Tetê Mattos. Ela simplesmente me fez ter amor pelo gênero documentário. O trabalho dela nessa cadeira foi excelente, irrepreensível. Acho que uma professora maravilhosa como ela é como o cometa Halley, só passa na vida da gente uma vez. Mas, eu não fiz apenas documentários com cineasta e isso é influência dessa relação com o estilo. No fundo, eu passei a ver o documentário como uma forma, um meio de contar estórias, assim como a ficção. Não como um gênero menor, como muita gente costuma dizer.

No jornalismo cultural, eu comecei a cair ainda no Brasil. Eu estava na faculdade de cinema e comecei a escrever sobre filmes num blog. Eu escrevo sobre cinema com muito amor. Acho que isso atraiu leitores porque eles não viam o ranço de muitos "críticos", que tratam o filme com total desrespeito, como se o objeto fosse menos importante do que os textos que eles produzem. Quando eu vim pro Japão, senti uma carência enorme de gente capaz de escrever sobre o tema e, pouco depois de ter chegado, fui convidado a escrever para um jornal local. Gostaram do meu trabalho e hoje eu escrevo em outro veículo e, além de ter uma coluna fixa sobre cultura pop, fui aprendendo a fazer pautas e a escrever sobre quaisquer temas. Já fiz quase tudo na imprensa brasileira no Japão. Mas, o que eu realmente curto é entender como a migração produz cultura(s).

O que de interessante você aponta nas atividades culturais que os brasileiros desenvolvem no Japão?

Eu queria muito apontar uma atividade cultural que fosse intermitente. Mas, infelizmente, uma das peculiaridades da situação migratória é, exatamente, a idéia de estar "temporário". Isso acontece com os brasileiros no Japão. Aliás, a palavra dekassegui significa exatamente isso e, se hoje é verdade que o migrante brasileiro não é mais temporário de facto, na realidade as pessoas pensam e agem como se fossem voltar para o Brasil amanhã. Então, a produção cultural acompanha esse pensamento. Poucos artistas produzem com uma constância suficiente para que possamos dizer que há uma obra.

Mas, uma coisa interessante que se pode ver é um movimento de produção de vídeo estimulada por Associações Internacionais. Nessas associações há serviços de suporte a filhos de estrangeiros e muitas delas usam o vídeo como forma de estimular a expressão dessas crianças. Então, há uma certa quantidade de vídeos sobre identidade de estrangeiros sendo produzidos e muitos brasileiros estão nesses vídeos.

E o que você destaca na produção cultural japonesa que se possa acessar no Brasil?

Por incrível que pareça a cultura japonesa ainda é uma ilustre desconhecida. E isso se deve ao fato de que, ao contrário de nós, os japoneses usarem muito pouco a internet para intercâmbio cultural. Isso se dá, principalmente, porque os japoneses ainda falam apenas japonês. Isso é muito ruim para eles e, claro, para nós. Quem fala japonês, pode ter acesso à música pop japonesa através de serviços como o YouTube ou MySpace. Mas, mais uma vez, ao que se têm acesso é exatamente a produção pop mais comercial e, por isso mesmo, menos interessante. Quem quiser conhecer coisas mais alternativas, têm que fuçar e, mesmo assim, corre o risco de não achar porque os artistas não disponibilizam muita coisa. Daí, o Japão para o mundo fica sendo apenas j-pop, mangá e animê. Mas, há muito mais que isso. Porém, infelizmente, esse mais é muito pouco acessível a quem não fala ou escreve japonês e a quem está fora do Japão.

Qual a coisa mais interessante em se morar no Japão? Ou o que de mais legal você já viu ou viveu no Japão?

Acho que o mais interessante é recuperar a liberdade de ir e vir que a violência no Brasil tira da gente. é tão bom sair de casa no meio da madrugada e ter a certeza de que se vai voltar inteiro!!! Além disso, é maravilhoso descobrir o mundo da escrita, quando se estuda japonês. Você vai saindo nas ruas e começa a reconhecer os ideogramas. Acho que a gente sente isso quando aprende a ler em português, mas como é pequeno, esquece a sensação. Ser re-alfabetizado, sendo adulto, foi uma das coisas mais legais que eu vivi no Japão. Outra foi viajar de trem de uma ponta à outra do arquipélago. Viajar de trem é muito gostoso e o Japão tem uma malha ferroviária que permite isso, por um preço acessível a estudantes.

Deixe suas dicas de bons programas culturais no Japão.

Minha dica é andar pelo Parque Yoyogi em Tóquio. Ali se pode ver a parte mais pulsante da cultura pop japonesa. Dentre o que se pode ver, o mais conhecido são os cosplayers. Mas, eu curto mesmo os músicos que tocam na rua. E no Parque Yoyogi o interessante é que há músicos de todos os estilos, tocando com uma parafernália e se revezando para que o som de um não atrapalhe a performance do outro. Fantástico!

Sites de Roberto Maxwell

www.robertomaxwell.com
web.mac.com/robertomaxwell

entrevistado por Janete da Silva Oliveira