Artigo

Uma Ponte de Ar

Escrito por Loren Almeida

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Quase duas décadas após a Queda do Muro, sucumbe agora a Ponte. Ao contrário do Muro que dividia e unia duas Alemanhas iguais. No dia 31 de outubro de 2008 operou pela última vez o histórico Aeroporto de Tempelhof, apelidado pelos berlinenses de Luftbrücke (ponte de ar em português).

A história do Aeroporto de Tempelhof é marcada por pequenos recordes. Foi um dos primeiros aeroportos em operação; de belas formas arquitetônicas e precursor de aeroportos mais recentes, é central e de fácil acesso por transporte público, já mesmo a partir do momento de sua construção, na década de 20 do século XX. Como tantas outras imponentes construções da cidade, foi apropriado e remodelado pelos nazistas, obcecados pelo ideal de construir uma nova Berlim de avenidas largas e prédios majestosos à altura da capital que seria o Terceiro Reich. E durante a II Guerra, foi usado pelos nazistas como base militar.

Mas não são esses dados que o tornam memorável. Sua importância é reconhecida em um momento posterior: no Pós-Guerra e nas crescentes tensões entre o mundo oriental comunista e o Ocidente capitalista. Tempelhof é um capítulo fundamental na queda de braço e ostentação de poder na Berlim sitiada por estes dois sistemas antagônicos.

Em 24 de junho de 1948, o governo da Alemanha Comunista exerceu seu poderio através de um Bloqueio à parte controlada pelos Aliados. Os Soviéticos fecharam todas as entradas terrestres e marítimas à Berlim Ocidental. Para entender o alcance desta ação é preciso olhar o mapa das Alemanhas divididas. Após a II Guerra, a Alemanha foi dividida em 4 setores: a parte Ocidental, pertencente às nações capitalistas (França, Grã-Bretanha e Estados Unidos) e a Oriental, de controle soviético. Assim como o país, a capital do Estado Alemão, em especial, era o símbolo da vitória contra os regimes nacionalistas e tornou-se também território partilhado entre os vencedores, dividida em quatro setores. No entanto, Berlim estava geograficamente situada na àrea destinada à União Soviética. Aproveitandose
dessa vantagem, o governo do Leste põe em prática o Bloqueio à Berlim Ocidental, tentando assim desabastecer a cidade e sufocar o controle da “ilha” capitalista em meio ao mar socialista.

Berlim Ocidental dependia das vias que perpassavam a Alemanha Oriental para se abastecer de mantimentos, carvão (que provia aquecimento e energia) e outros artigos necessários ao bom andamento da cidade e seus cidadãos. O objetivo dos líderes soviéticos era enfraquecer o controle dos Aliados e expulsá-los deste simbólico território encravado em seus domínios. À União Soviética interessava mais a simplista divisão geográfica do que a incômoda divisão política. Dentro desse cenário, entra em cena Tempelhof.

Após o Bloqueio, era esperado que os Aliados abandonassem a cidade. Mas havia uma saída; dispendiosa e por isso, remota: abastecer este quinhão territorial através de um corredor aéreo. O Aeroporto de Tempelhof estava localizado na área de ocupação americana e pertencia à Força Aérea daquele país. Numa atitude audaciosa, mas digna do cabo de guerra entre os dois gigantes polarizados, a Força Aérea Americana cruzou o céu com uma carga de mantimentos, grandiosa em números absolutos, mas ainda insuficientes para abastecer a cidade. Na viagem de volta, levou os bens produzidos pela cidade. Dias depois, foi seguida pela Força Aérea Real Britânica e por várias companhias particulares. Esse movimento durou 11 meses ininterruptos e proveu os berlinenses afetados pelo bloqueio, os gêneros que precisavam para manter a cidade em funcionamento.

Após esse momento crítico que durou até o ano seguinte, as vias usuais foram liberadas. Mas as relações entre o Capitalismo e o Comunismo no palco alemão sempre foram tensas e Tempelhof proporcionou fôlego ao lado ocidental, permitindo o fluxo contínuo entre Alemanha e Berlim Ocidental. Era tanta a sua importância estratégica, que, com a queda do Muro, a unificação das Alemanhas e a extinção da União Soviética, o Aeroporto de Tempelhof passou ao domínio do Governo Alemão pelos atuais representantes dos antigos Aliados em cerimônia oficial.

Mas a história chegou ao fim. Além de Tempelhof, Berlim é servida por outros dois aeroportos internacionais e forças políticas já convergiam para a formação de um só grande aeroporto, operado em parceria com um estado limítrofe à cidade. O custo de operar três instalações mais a possibilidade de reunir investimentos para a construção de um só grande porto aéreo forneceram os ingredientes econômicos da decisão. E, por fim, somaram-se as reclamações dos moradores vizinhos sobre o barulho e poluição.

Mas a maioria da população da cidade valorizava a história desse marco e mostrou-se contrária à idéia. Houve protestos, manifestações e até um referendo que falhou em conseguir o número mínimo de votos.

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