Artigo

O reverso da moeda dekássegui

Escrito por Janete da Silva Oliveira

No final do ano de 2008, o mundo foi arrastado para a maior crise financeira desde 1929 e globalizada na qual a crise enfrentada por um acabada sendo enfrentada por todos, criando um efeito dominó. Assim também foi para a economia japonesa, a segunda economia mundial e lar de mais de 300 mil brasileiros descendentes de japoneses que há 30 anos atrás começaram uma inversão do fluxo imigratório iniciado em 1908 e que comemorou seu centenário no mesmo ano.

A grande maioria dos brasileiros imigrantes no Japão foram trabalhar na indústria, principalmente a automobilística, coincidentemente a mais afetada pela crise porque os Estados Unidos eram o principal mercado de exportação dos produtos nipônicos. O que temos visto desde então são demissões em massa nestas empresas, começando pelos trabalhadores temporários, muitos, brasileiros.

Os brasileiros são a terceira maior colônia de imigrantes no Japão, atrás apenas dos chineses e sul-coreanos, mas ao contrário desses dois últimos, os brasileiros, percentualmente, tem menos conhecimento da língua japonesa. Os chineses e os coreanos têm os ideogramas como base da escrita e, mesmo o coreano que tem uma escrita diferente, o hangul1, permite um nível de entendimento muito superior e mais rápido que qualquer língua ocidental. Apesar dos ideogramas utilizados nos três países serem originários da China, a transposição linguística ocorreu com mudança de sentido, acréscimo de elementos gramaticais, organização frasal e até mesmo a extinção do próprio ideograma como foi o caso da Coréia do sul que hoje em dia adota o hangul como sistema de escrita. Mesmo assim a base ideográfica é a mesma.

Esse problema com a língua japonesa restringiu o campo de atuação dos brasileiros no país, pois sem entender a língua, seja ela escrita ou falada, empregos fora das fábricas são raros, no entanto segundo reportagem do UOL,

Os setores mais atingidos são o automoblístico e o eletro-eletrônico. Em contrapartida, segundo Gonçalves, há uma oferta de empregos nos setores de hotelaria, turismo e de rede de alimentos, que estão empregando brasileiros, mas cuja remuneração não é tão atraente quanto nas indústrias. "Geralmente eles pagam, em média, 20% a menos do que os dekasseguis receberiam nas fábricas". Gomes, Marcus Vinicius. Crise econômica no Japão pode trazer até 30 mil dekasseguis de volta ao Brasil, 19-02-09. Especial para o UOL Notícias. Disponível em:http://noticias.uol.com.br/cotidiano/
2009/02/19/ult5772u2989.jhtm. Acesso em 28-02-09.

Por este motivo também o emprego preferencial para aqueles que desejam ganhar dinheiro rápido e voltar para o Brasil e montar o próprio negócio eram as fábricas. No entanto, ao voltar ao Brasil, sem experiência em empreendedorismo ou administração, muitos faliram e tiveram que voltar ao Japão como conta um descendente na mesma reportagem do UOL Notícias: Quando voltei, em 1996, investi o que havia ganho em uma loja de auto-peças, mas acabei quebrando por falta de conhecimento. Descobri que para abrir um negócio é preciso 70% de experiência e 30% de capital. (idem)

Existem ainda os que se acostumaram com ao cotidiano em um país cuja qualidade de vida e os níveis de salário são bem mais altos do que o Brasil e resolveram ficar. Para ambos os grupos, o choque foi o mesmo. Uns perderam emprego e moradia, outros tiveram a jornada de trabalho reduzida e tiveram que complementar a renda com o que os japoneses chamam de “baito”, um trabalho temporário de meio-expediente com remuneração bem mais baixa.
Mesmo que os que permaneceram nos respectivos empregos estão constantemente preocupados com a possibilidade de perda do mesmo, pois os cidadãos japoneses também estão perdendo emprego.
Desde o estouro da crise, houve um “boom” de retorno dekássegui ao Brasil.

Desde outubro de 2008, 25 mil clientes do Banco do Brasil no Japão (20% do total) transferiram a residência de sua conta bancária para o Brasil. A partir desse dado, o gerente regional do BB para a Ásia, Admilson Monteiro Garcia, estima que entre 40 mil e 50 mil brasileiros -incluindo correntista, cônjuge e filhos- já retornaram ao Brasil.
Paiva, Natália.Japão demite ao menos 50 mil brasileiros. 22-02-09. disponí vel em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u507999.shtml. Acesso em 28-02-09.

Os que não conseguiram voltar estão em situação desesperadora no Japão, tanto que os brasileiros se organizaram em grupos para ajudar distribuindo cestas básicas e, os que perderam moradia estão morando em casas de parentes ou utilizando a casa de amigos para dormir. Há casos em que até 10 pessoas dormem no mesmo quarto, saindo durante o dia para trabalhar e só voltando à noite para dormir. Os brasileiros se espalham pelas estações de trem pedindo ajuda para comer ou transporte e dormem nas praças e nas próprias estações. Filas se formam de 2 a 3 horas antes das agências de empregos abrirem, mas os empregos oferecidos são para quem fala japonês ou tem a remuneração muito baixa, incompatível com o custo de vida japonês conforme explica o dekássegui que retornou ao Brasil.

Todo brasileiro que vive no Japão ganha em iene, mas converte o salário em reais e diz: "estou melhor do que no Brasil". Mas acontece que ele gasta em iene. Vive uma vida de classe média baixa em um apartamento apertado, mas crê que se estivesse no Brasil seria um membro da classe média alta. Gomes, Marcus Vinicius. Crise econômica no Japão pode trazer até 30 mil dekasseguis de volta ao Brasil, 19-02-09.Especial para o UOL Notícias. Disponível em:http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/02/19/ult5772u2989.jhtm. Acesso em 28-02-09.

Segundo cálculos do governo Japonês(segundo programa da NHK), a previsão é que a economia só comece a se recuperar em 2011, ou seja, caso os descendentes queiram voltar, isso só seria possível daqui a 2 anos, ou seja, não é uma crise passageira. Em outra palavras, os dias difíceis da colônia brasileira apenas começaram. A globalização mostra seu lado mais cruel nesta crise. Estar em um país que é ao mesmo tempo estranho e também a casa dos seus ancestrais, mas ainda sim sentir-se abandonado e impotente é o retrato dos dekásseguis hoje no Japão.

Referências

Gomes, Marcus Vinicius. Crise econômica no Japão pode trazer até 30 mil dekasseguis de volta ao Brasil, 19-02-09.Especial para o UOL Notícias. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/02/19/ult5772u2989.jhtm. Acesso em 28-02-09.

Paiva, Natália.Japão demite ao menos 50 mil brasileiros. 22-02-09. disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u507999.shtml. Acesso em 28-02-09.